A Internet penetrou de maneira impressionante todas as esferas da atividade humana. Seu advento representa um grande passo no progresso dos meios de comunicação; dentre alguns expemplos, pode-se citar as cartas e telégrafos que deram lugar à rapidez dos e-mails; às chamadas telefônicas, sobretudo as internacionais, de alto custo, substituiu-se a comunicação interativa dos Chats, das Salas de Bate – Papo e das video-conferências.
No entanto, as mudanças causadas pela Internet não se restringem à praticidade da vida humans; elas influenciam, em muito, a linguagem, trazendo novas mudanças de cunho lingüístico, bem como diferentes gêneros textuais:
“A dinâmica do comportamento humano, ditada pelo ritmo frenético das mudanças tecno-científicas, tem atingido diretamente as ações lingüísticas e, conseqüêntemente, vem produzindo criações lexicais e terminológicas inéditas. A informática é uma das áreas de inovação tecnológica que mais tem contribuído para o surgimento de neologismos” (L.A. MARCUSCHI e A.C. XAVIER, 2004).
No intuito de analisar essas mudanças na linguagem, o presente trabalho começa por contextualisar historicamente a Internet através de uma breve cronologia, procurando, em seguida, apontar os fatores que concorreram às mudanças lingüísticas.
Uma vez determinado esses fatores, pode-se então abordar o objetivo principal do estudo, ou seja, as mudanças fonéticas dos gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital, mais precisamente, no gênero hipertextual Chat das Salas de Bate-Papo e MSN. No contexto dos estudos lingüísticos, tais mudanças são conhecidas como Metaplásmos. Trata-se, então, de analisar a ocorrência dos Metaplásmos no gênero Chat.
Partindo da definição deste gênero, chega-se ao texto da conversação, o objeto principal do estudo e ponto de partida da pesquisa. Por se tratar de um texto diferente do texto escrito, recebe o nome de Hipertexto.
No hipertexto, apontar-se-ão as ocorrências mais freqüêntes dos Metaplásmos assim como ocorrências inéditas que, embora pertencentes aos fenômenos dos Metaplásmos, não figuram nos casos tradicionais até agora conhecidos.
Na distinçaõ do Chat das Salas de Bate-Papo, também conhecido como Chat aberto, e daquele dos MSN, uma breve análise é dada a este último, no intuito de precisar a diferença de ambos, no tocante à forma, e às igualdades na esfera das mudanças do tipo metaplasmos.
Finalmente,
Cronologia da história da Internet
1962 -
1964 - Surge a
1968 – O national Phisical Laboratory, na Inglaterra,
1969 – É instalado o
1970 –
1972 - Ray Tomlison,
1973 - A Arpanet estabelece
1974 – A BBN (Bolt, Beranek & Newman) abre a Telenet,
1976 - A
1979 - Nasce a USINET.
1982 – O
1983 – O TCP/IP se
1988 – No
1990 - Termina a Arpanet.
1991 – Surge a World Wide Web.
1993 - Surge o Mosaic,
1994- É fundada a Netscape. A
Rollings Stones fazem
1996- 25
1997 – O
1998 - A América Online (AOL) anuncia a
1999 - A
2000 -
No Brasil
1988 -
1989 - A UFRJ (
É
É fundada a APC (
1991 -
1992 - O Ibase expande as
1994 -
Surgem
No
1995 - A
1996 - O
1997 - Os
1998 - O
1999 –
2000 -
Com
A
A
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Segundo Marcuschi:
"É
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· 9
Percebe-se,
Dentre as diversas formas de interação no contexto da internet, o Chat na Sala de Bate – Papo possui características específicas. Antes, no entanto, de adentrar na análise de tais características, é importante definir o que se concebe por Chats, a saber, “recursos de comunicação sícrona que propiciam a criação de ambientes virtuais de interação e possuem diversas aplicações na Internet, de acordo com os objetivos e propósitos comunicativos dos usuários e dos sites provedores” (A. DANTAS DE OLIVEIRA, 2008).
Esses recursos de comunicação, embora assumindo formas diferentes, segundo os diversos fins e contextos, caracterízam-se, sobretudo, pela sincronia temporal com o interlocutor e pela especificidade lingüística do texto virtual (hipertexto). A relação sincronia temporal e especificidade lingüística é profundamente estreita, de maneira que aquela contribui em muito à formação desta.
O presente estudo intende analisar esta especificidade lingüística no gênero Chat Aberto das Salas de Bate – Papo, onde a interação se dá em massa entre todos os interlocutores.
O recurso de conversação hipertextual dos Chats
Na análise da conversação hipertextual dos chats, o primeiro dado a considerar é o interlocutor como o conjunto de todos os que interagem na Sala de Bate – Papo. Com efeito, é a partir deste contexto que o hipertexto ganha suas características próprias, tais como a não – linearidade, a flexibilidade, a volatilidade, a fragmentaridade, a acessibilidade ilimitada e a multisemiose (MARCUSCHI in A. DANTAS DE OLIVEIRA, 2008). A Figura 1 ilustra com clareza todas essas características.
Figura 1
Ainda a partir da observação da Figura 1, pode-se observar a característica do hipertexto de simular a oralidade, como mostram alguns exemplos:
(07:18:22) luhlih fala para ryan_15: oi td bom c vc?
(07:18:24) mineiro fala para Didi..: gosto de sair pr ir num barsinho
escutar musica ao vivo
(07:18:52) luhlih fala para ryan_15: eu to bem
É justamente essa simulação da oralidade que vai conferir ao hipertexto um estilo próprio de escrita:
“O ato de simular a oralidade através de elementos próprios da escrita permitiu que os usuários do gênero chat desenvolvessem um estilo híbrido. Ou seja, não é de qualquer modo que se escreve nesse gênero. Este ‘escrever’ tem até uma designação própria: ‘teclar’; tal é a consciência da novidade” (MARCUSCHI in A. DANTAS DE OLIVEIRA, 2008).
A novidade do hipertexto dos Chats abertos, quando comparada à norma culta, abre perspectivas para uma análise lingüística onde estão presentes os mesmos fenômenos de metaplásmos ocorridos no processo de evolução do latim ao português.
Ismael de Lima Coutinho em sua “Gramática Histórica” define os metaplamos como “modificações fonéticas que sofrem as palavras na sua evolução”, precisando ainda que:
“Os fonêmas constituem o material sonoro da língua. Este material está, como tudo o mais, sujeito à lei fatal das transformações. Não é mister ascender ao latim para mostrar que grande foi a evolução das palavras portuguesas veiculadas pelo povo. No próprio idioma se deparam essas modificações, quando comparamos vozes de épocas distanciadas” (I. DE LIMA COUTINHO, 1976).
Esses metaplásmos classificam-se em diferentes grupos tendo, cada um, subgrupos próprios. No presente trabalho, adota-se a classificação estabelecida por Dolores Garcia Carvalho e Manoel Nascimeto, em sua “Gramática Histórica” ( D.G. CARVALHO e M. NASCIMENTO, 1970):
Ø Metaplásmos por aumento:
1. Prótese
2. Epêntese
3. Paragoge
Ø Metaplásmos por supressão:
1. Aférese
2. Síncope
3. Apócope
4. Crase
Ø Metaplásmos por transposição
1. Metálese
2. Hipértese
3. Sístole
4. Diástole
Ø Metaplásmos por transformação:
1. Vocalização e Consonantização
2. Nasalização e desnazalização
3. Assimilação e dissimilação
4. Sonorização ou abrandamento
5. Palatização
6. Assibilação
7. Ditongação ou alargamento
8. Monotongação ou redução
9. Apofonia
10. Metafonia
A partir da análise da Figura 1, pode-se observar a ocorrência de diferentes casos de metaplásmos. Assim, na expressão “(07:18:22) luhlih fala para ryan_15: oi td bom c vc?”, temos a ocorrência de uma síncope em “td” com a supressão do “u” no meio do vocábulo, assim como de uma apócope com a supressão do “o” no fim do vocábulo; exatamente o mesmo fenômeno ocorre com “vc”.
É interessante notar que, no quadro das transformações possíveis nos diversos casos dos metaplásmos, as surdas “d” e “c” de “td” e “vc” estariam mais propícias a sofrerem uma sonorização, haja visto estarem em posição intervocálica. No entanto, o que ocorre é a supressão de todas as vogais, o que torna o vocábulo mais próximo da oralidade.
Essa supressão total das vogais é o fenômeno mais ocorrente nos hipertextos dos chats abertos, como se pode observar nas indicações deste outro exemplo da Figura 2, extraído de uma outra Sala de Bate – Papo :
(06:56:09) °)›Š©‹(°Jhësï©k™ dá um fora em Todos:
(06:56:09) paulinha fala para gato da 53: td e com vc
(06:56:18) =ß«Š»Ñ=™Ð¡®ë†ö®™ fala para Todos:
(06:56:18) Ator_Porno_Cam entra na sala...
(06:56:21) ™l§Ð(ºFelipee »Å«¦ fala para Todos: ?
(06:56:21) loirinho safado sai da sala...
(06:56:27) carolZiNhAAa;)-0 entra na sala...
(06:56:30) =ß«Š»Ñ=™Ð¡®ë†ö®™ fala para Todos: felipe ta keto hj
(06:56:57) ™l§Ð(ºFelipee »Å«¦ fala para Todos: EU SO KETO :)
(06:56:57) =ß«Š»Ñ=™Ð¡®ë†ö®™ fala para Todos: bzuzzzzzzzz
(06:57:02) =ß«Š»Ñ=™Ð¡®ë†ö®™ fala para Todos: (06:56:57) ™l§Ð(ºFelipee »Å«¦ fala para Todos: EU SO KETO :)
(06:57:04) paty gostosa fala para Lu.Loirah: tudobem com vc hoje meu amor
(06:57:04) DANILO entra na sala...
(06:57:05) =ß«Š»Ñ=™Ð¡®ë†ö®™ fala para Todos: KKKKKKKKKK
(06:57:08) Karol entra na sala...
(06:57:11) paulinha fala para gato da 53: kd vc?
(06:57:18) Mineiro-CAM sai da sala...
(06:57:20) gato da 53 fala para paulinha: qtos anos vc tem
(06:57:22) ReNaN_BOy entra na sala...
(06:57:23) °)›Š©‹(°Jhësï©k™ dá um fora em Todos: (06:57:51) PIU-MSN-NU-CAM (reservadamente) fala para °)›Š©‹(°Jhësï©k™: LEVA EU
(07:00:39) rafael lindo cam (reservadamente) fala para Todos: oi tem alguma menina afim de tc
(07:00:37) Anderson fala para BáahLîîma: oiee gatas, podemos tc???
(07:01:12) Anderson fala para BáahLîîma: onde vc mora gata?
Figura 2
Ao observar esse fenômeno de supressão das vogais é interessante notar que, dentre os casos possíveis de transformações dos metaplásmos não existe nenhum que assinale a supressão de todas as vogais do vocábulo. Assim sendo, este fenômeno pode mesmo ser considerado como um novo caso de transformação dos metaplásmos, conseqüênte da utilização da linguagem no mundo virtual.
Poder-se-ia alegar que transformações do tipo “hj, td, vc” não incorrem nos casos de metaplásmos por se tratarem de abreviações. Ora, uma abreviação não é um fenômeno freqüênte em um texto e, além disso, sua função não é de transcrever a oralidade, mas sim de substituir a forma plena de um vocábulo por uma forma reduzida. Deste modo, abreviações ocorrem em “(07:00:37) Anderson fala para BáahLîîma: oiee gatas, podemos tc???” onde o “tc” é uma abreviação do verbo “teclar”, ou então em “(06:57:20) gato da 53 fala para paulinha: qtos anos vc tem” onde “qtos” é abreviação de “quantos” , ou ainda em “(07:18:24) mineiro fala para Didi..: gosto de sair pr ir num varsinho escutar musica ao vivo” onde “pr” é abreviação da preposisão “para”. A freqüência com que as expressões “hj, td, vc” aparecem nos Chats e sua característica de proximidade e transcrição da oralidade mostram que não se tratam de simples abreviações mas de uma transformação de metaplásmo.
Outra mudança comum nos chats é a ocorrência da Aférese, supressão de um fonêma no início do vocábulo e da Apócope, supressão de um fonêma no fim da palavra, como mostram os exemplos seguintes:
Ø Figura 1
(07:18:49) gatinha fala para Douglas SãoPaulino: ta
(07:18:52) luhlih fala para ryan_ 15: eu to bem
Ø Figura 2
(06:56:30) =ß«Š»Ñ=™Ð¡®ë†ö®™ fala para Todos: felipe ta keto hj
(06:56:57) ™l§Ð(ºFelipee »Å«¦ fala para Todos: EU SO KETO :)
Em todos esses exemplos, observa-se que em “to” e “ta”, correspondendo respectivamente a “estou” e “esta”, o fonêma inicial é suprimido, assim como em “so”, da primeira pessoa do singular do verbo “ser”, o “u” final desaparece. Neste último exemplo, além de uma Apócope, ocorre também uma assimilação total, onde o fonema assimilado “u” se iguala ao assimilador “o”.
Em se tratando de assimilação, é interessante a análise dos exemplos seguintes da Figura 2:
(06:56:57) ™l§Ð(ºFelipee »Å«¦ fala para Todos: EU SO KETO :)
(06:57:11) paulinha fala para gato da 53: kd vc?
Na expressão “KETO” ocorre uma assimilação em que o “qui” de “quieto” é assimilado à consoante “K”. Ora, nos casos típicos de assimilação, o fonêma assimilador já se encontra no vocábulo, antes ou depois do fonêma assimilado, dando origem respectivamente a uma assimilação progressiva ou regressiva.
No entanto, em “KETO”, o fonêma assimilado “K” não está explícito na grafia do vocábulo mas tão somente na oralidade. O mesmo fenômeno pode ser observado em “Kd” onde o fonêma “k”, inexistente na forma escrita de “cadê”, aparece como fonema assimilado devido ao son da consoante “K” na oralidade.
Assim sendo, aqui também temos um novo caso de assimilação decorrente da informática, não apontado nos casos tradicionais dos metaplásmos.
A diferença entre os Chats na Sala de Bate-Papo e aquele praticado no MSN encontra-se sobretudo em relação ao interlocutor que, à contrariamente ao Chat aberto, consiste em uma única pessoa na maioria das vezes. No entanto, também neste gênero de Chat, observa-se a utilização dos mesmos recursos de linguagem, mostrando assim que as transformações da língua decorrentes da Internet são uma característica marcante.
Costuma-se dar o nome de “internetês”, na linguagem comum, a este tipo de expressão na Internet. Este “internetês” é caracterizado pela agilidade e facilidade de escrita, e, por isso, é composto quase que inteiramente de transformações lingüísticas - ou podemos até dizer por códigos. Aliás, se uma pessoa que não está acostumada a conversar em chats online, se deparar com a frase abaixo, dificilmente conseguirá entender muita coisa:
Pq vc naum xego na hr q eu t flei?
Traduzindo, seria: "Por que você não chegou na hora em que eu te falei?" Para os jovens acostumados com esse linguajar, o mais importante quando se está conversando virtualmente é se fazer entender e, mais do que isso, da maneira mais rápida. Afinal,tratam-se de meios comunicativos de natureza efêmera que têm como objetivos a agilidade e a praticidade de comunicação.
A análise das mudanças lingüísticas oriundas do mundo virtual vem a confirmar o caráter “vivo” da linguagem. Esta, com efeito, profundamente inserido num contexto social é, ao mesmo tempo, expressão profunda da cultura e fruto da mesma.
A novidade do mundo virtual tráz à língua novas mudanças, abrindo as perspectivas de estudo de novos casos de Metaplásmos como os apontados neste estudo.
Além disto, é interessante notar que, com o surgimento do mundo virtual e as interações da Internet, ocorre o desaparecimento da dicotomia “fala / escrita” visto que esta aproxima-se muito mais daquela, tornando-se dela uma verdadeira transcrição.
Por se tratar de uma novidade, estudiosos e pesquisadores têm-se debruçado sobre a questão na intenção de analisar até que ponto os efeitos do mundo virtual podem influenciar as estruturas profundas da língua, como a ortografia e a sintaxe, por exemplo. Diferentes são as opiniões às quais chegam as diferentes tendências das escolas lingüístas.
Uma reflexão pertinente sobre esta questão aparece na obra de J. C. Araújo e de B. Biasi-Rodrigues, na qual lemos que:
“ ... tudo leva a crer que o problema maior na comunicação internetiana não está basicamente nos novos tipos de escrita cheios de abreviações e truncamentos, nem numa escrita quase ideográfica, mas sim nos desafios cognitivos, no acúmulo de informações e na necessidade de maior formação para enfrentar problemas de compreensão. Percebe-se com nitidex que a Internet não é perigosa nem ameaça a Língua Portuguesa. [...] A escola deve aprender a lidar com esse formato de escrita que é mais complexo do que um simples ato de falar por escrito. Pois aí ocorrem interferências que não vêm da oralidade e sim de outros modos discursivos.” (J.C. ARAÚJO, B. BIASI-RODRIGUES, 2005)
Quaisquer que sejam as perspectivas a partir das quais se analise a questão, uma coisa é certa, a introdução da tecnoligia na vida social é um importante fatore de revalorização da escrita e leitura.
Bibliografia